Montanhismo no ES: Nicacio de Paula, uma trajetória de conquistas

 

Corria o ano de 1947 quando, no dia 5 de junho, montanhistas cariocas desembarcaram em Cachoeiro, na antiga estação ferroviária…Traziam em suas bagagens quilos e mais quilos de equipamentos de escalada. Entre os itens destaque estavam cordas de sisal, cunhas de madeira, uma escada de ferro desmontável de 3 metros, grampos em L ou os famosos grampos pés de galinha, ou simplesmente pregos com até 50 cm de comprimento.

Florisbelo Neves e os heróis do Rio de Janeiro

Os nossos heróis, cinco ao todo, eram Índio do Brasil Luz, Sílvio Joaquim Mendes, Reinaldo Behnken, Júlio Maria de Freitas e Reinaldo Santos, que se apresentaram ao prefeito municipal da época, Antenor Moreira Fraga, com a promessa de conquistar o Pico do Itabira, um gigantesco monolito de granito que se eleva a aproximadamente a 575 metros e que se tornou o cartão postal dessa cidade. Em troca, esses destemidos forasteiros queriam apoio logístico nessa empreitada.

A prefeitura então forneceu suprimentos, hospedagem e transporte, porém em troca eles deveriam levar com eles um cachoeirense, o saudoso Amancio Silva. E assim Reinaldo Behnken, que tive a honra de conhecer, e Silvio Mendes lideraram o desafio, que durou 19 dias.

Ao término da conquista, eles soltaram fogos de artifício que culminariam em uma tremenda comemoração na nossa cidade. Um buzinaço se fez ouvir com as sirenes da fábrica de tecido. Todos muito orgulhosos que o nosso poderoso gigante havia sido domado.

Eles chegaram ao cume no dia 22 de junho. O jornalista Florisbelo Neves, redator do “Correios do Sul”, registrou a empreitada.

No topo…

E assim, a conquista do Itabira se tornou o marco do montanhismo capixaba. Como parte dessa história, o Espírito Santo presenciou, em fevereiro de 1971, o nascimento de um dos precursores do montanhismo moderno em nosso Estado.

O pioneiro

O mais antigo montanhista vivo e em atividade do nosso Estado, história em pessoa, é o cachoeirense Nicacio de Paula.

Nicacio, como é conhecido pelos amigos da nossa cidade, do Estado e também fora dele, se transformou em um ícone de sua geração, se tornando uma referência em escaladas técnicas, abertura de vias de escalada, além de formar inúmeros escaladores.

Esse cachoeirense foi longe em busca de conhecimento. Aprendeu com o lendário Eliseu Frechou, um dos maiores montanhistas brasileiros, que possui no seu currículo façanhas como a conquista da El Capitan no parque de Yosemite, nos EUA, considerada a maior parede vertical do mundo, e também a conquista da Kaga Tondo, no Mali. Aprimorou seus conhecimentos com Makoto Ishibe, Alexandre Portela e outras feras da escalada de renome internacional.

Nicacio realizou várias escaladas e treinamento com o amigo Mario Arnaud, outro grande nome de nosso montanhismo.

Nicacio escalando no bairro IBC. Montando o primeiro campo-escola do Estado para escaladores

Legado e manobras arriscadas

Nicacio já escalou a montanha símbolo de nossa cidade, o pico do Itabira, considerado durante 25 anos a escalada mais difícil do Brasil.

Ele, em comemoração aos 50 anos da conquista do Itabira, alcançou seu cume saltando de um helicóptero em movimento, façanha corajosa realizada com sucesso graças ao seu treinamento e dedicação. Inclusive, o piloto na época, que com muita destreza e experiência evitou os fortes ventos que faziam a aeronave trepidar, era o instrutor de mergulho Gin Tanure (deixo um abraço para ele).

Nicacio foi o anfitrião de nossa cidade quando, em 1997, Cachoeiro comemorava 50 anos da conquista do Itabira. Ele recebeu um dos heróis da façanha de 1947, o montanhista Reinaldo Behnken. Presenciamos naquele momento um belíssimo encontro de gerações.

Ele foi responsável pela abertura do primeiro campo-escola de escalada do Espírito Santo, em 1994, no bairro IBC, um complexo moderno de vias de escaladas, cujas dificuldades atendem todos os gostos, desde vias fáceis até as mais difíceis.

O nosso montanhista também é um conservacionista convicto, já organizou e liderou grupos voluntários para combater incêndios no Itabira e também no Frade e a Freira, além de ter realizado diversos plantios de mudas de nossa mata nativa e coibir a prática de caça ilegal.

Participou junto com os bombeiros de inúmeros resgates de montanhistas e praticantes de voo livre na nossa cidade e também no Sul do Estado.

E já foi destaque no renomado jornal de Eliseu Frechou, Mountain Voices,e também na revista Head Wall, número 3.

Foi consultor de diversos clubes de escalada. É presidente e membro fundador do Centro Excursionista Itabira ou CE Itabira. E também está empenhado na Via Milenium, uma via de escalada no Itabira.

Nicacio em uma de suas escaladas em São Paulo

Atualmente

Hoje, Nicacio ainda tem sonhos e projetos. De personalidade forte, olhos aguçados e uma inteligência brilhante e institntiva, é orgulhosamente filho de um cachoeirense descendente de índios puris. É um orgulho para nossa cidade e para nosso Estado.

Uma pessoa simples e de coração tão grande como as montanhas que escala. Um pioneiro que ajudou a escrever a História e Geografia de Cachoeiro.

E quanto a mim, fiquei com a grata tarefa de registrar essa história. Cabe a nossa cidade (extensivo aos nossos nobres edis e demais autoridades) conhecer e valorizar nossos heróis.

Heróis que fazem Cachoeiro merecer a alcunha de Terra do Rei.

Nicacio nos dias de hoje, sempre em atividade. Exemplo para muitos e um orgulho para Cachoeiro de Itapemirim

Sobre o autor: Marcio do Nascimento Santana é historiador, montanhista e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Cachoeiro.

Nicacio no portaledge, uma cama suspensa no abismo do pico do Itabira

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